“Paraíso na Fumaça”

Chris Simunek trabalha numa revista maconheira chamada “High Times”, uma das principais revistas alternativas americanas, famosa por seu discurso pró-legalização da maconha. Na revista, Chris é “editor de cultivo”, ou seja, é o responsável por viajar pelos EUA analisando plantações de erva. Não só analisando, vai experimentando e descrevendo as sensações de todo o tipo de alucinógeno (ácido, ecstasy, anfetamina, cogumelo etc.). O livro “Paraíso da Fumaça – Viagens de um jornalista da High Times”, lançado no Brasil pela Editora Conrad, é uma espécie de diário, no qual o jornalista vai narrando todas as suas melhores “investigações jornalísticas” já publicadas na revista. Na realidade, as histórias são verdadeiras egotrips de um Chris sempre muito chapado.

Antes de trabalhar na “High Times”, Chris Simunek era um professor de ensino médio que, de saco-cheio do seu trabalho, resolveu largar tudo e acabou conseguindo emprego na revista. Em seu texto, Chris pratica o “jornalismo maconheiro”, uma mistura do “new journalism” de Tom Wolfe e companhia e o jornalismo “gonzo” de Hunter Thompson. Com seu jornalismo-viagem, ele vai mostrando ao leitor diversos modos e experiências de vida, desde rastafaris em Trench Town (Jamaica), motoqueiros amantes de Harley Davidson, fazendeiros do interior dos EUA, metaleiros em crise, hippies, astros do rock (no livro há uma interessante conversa com Lemmy do Motörhead sobre metal e rock, além de falar da volta dos Sex Pistols nos anos 90), jovens descerebrados em Cancún e por aí vai… Chris é um excelente contador de histórias, mais do que apenas ir narrando o que acontece. Seu texto nos transporta para dentro do que se passa na sua cabeça.

Tudo isso com seu espírito auto-depreciativo (gozador) e loser de encarar o mundo. Seja em touradas espanholas, seja em reuniões dos Maconheiros Anônimos e da Rainbow Family, Simunek sente-se um estranho no ninho, um cara que esperava na juventude “sexo, drogas e rock and roll”, mas acabou encontrando “Aids, Guerra Contra as Drogas e a MTV”. Além disso, ele se sente mal por ser um usuário de drogas num país tão conservador como os EUA (é por isso que as histórias da Jamaica são as melhores do livro). Talvez venha daí a sua visão loser, e a sua pitada de arrogância não-assumida.

Segue abaixo entrevista feita por e-mail com o autor.

Como surgiu a idéia de fazer o “Paraíso na Fumaça”?
Eu estava tentando vender a um editor da St. Martin’s um romance meu, mas ele não quis. Quando eu tive a atenção dele novamente, pensei em entregar um livro sobre minhas experiências com drogas, e ele acabou comprando.

Quanto tempo você demorou para escrever o livro?
O livro é baseado em quatro anos de artigos. E isso levou mais ou menos mais um ano para ficar do jeito que está agora.

Que tipo de jornalismo você faz?
Na maior parte do meu trabalho, eu não me considero muito um jornalista. Daniel Pearl foi um jornalista, eu sou apenas um idiota com muitas contas a prestar. E isso leva a muitas situações engraçadas, e eu escrevo sobre isso. Então, eu não sei como você pode chamar isso, talvez jornalismo literário? Algumas pessoas chamam isso de “gonzo“, mas, na verdade, essa viagem foi somente Hunter Thompson quem fez e ninguém mais.

Você está escrevendo alguma coisa nova? Sobre o que é?
Sim, eu terminei “No Easter”, mas não foi publicado. O livro segue o caminho de Gene Gumellis, um porteiro de 22 anos que é em parte do tempo um filósofo, no despertar de uma catástrofe global sem precedentes, onde há uma repentina aparição de um monstro tipo o Godzilla. Desconsiderando certos fantásticos desenvolvimentos, esse livro é a vida real com problemas reais. Descreve uma imagem sobrecarregada da geração jovem que precisa de estímulo para mudar tão freqüentemente como piscam os olhos. Nada como um cataclismo para poder trazê-los a um plano espiritual mais alto. A ironia aqui é que esse livro é uma procura pela redenção espiritual e de muita coisa que os está destruindo. Algo do tipo…

No livro, você parece ser um cara um pouco niilista, uma espécie de “loser”. Você se considera um “loser”?
Uh… Essa foi a questão mais engraçada que eu já respondi. Você tem que entender a tradução. “Loser” é um termo muito negativo, um insulto (risos). É a mesma coisa que você me perguntar: “você é um babaca?” Mas eu acho que entendi o que você quis dizer. Não! Eu não sou um “loser”! Quanto ao niilismo, eu não acho que isso se aplica a mim. Eu tenho grandes esperanças que dificilmente serão alcançadas. Às vezes elas são, e eu acho que você encontrou isso em certos momentos do livro, como com os rastafaris ou com os motociclistas.

O que você pensa sobre ser um drogado nos EUA, um país conservador?
Os EUA têm uma atitude prejudicial e freqüentemente hipócrita a respeito das drogas. Os políticos aceitam milhões e milhões de dólares das companhias de tabaco, mas não deixam as pessoas fumarem maconha, que não faz mal. Eles estão realmente preocupados em relação à saúde pública? Ou há outra coisa por trás disso? A Guerra contra as Drogas (muito mais que a Guerra contra o Terror) basicamente deu aos EUA uma desculpa para invadir outras nações, para violar a privacidade das pessoas de acordo com a vontade deles. Os EUA não querem ganhar a Guerra contras as Drogas, porque se as drogas forem repentinamente erradicadas, a polícia vai perder sua força.

Então você acha que a maconha deve ser descriminada?
Sim!

Como você vê a cultura alternativa hoje? Está morrendo?
Parece morta, eu tenho medo. Basicamente, se você não pode comprar na Wal-Mart (uma grande loja dos EUA), ela não existe. Há a arte “alternativa” – música, pintura, filmes, etc. – mas eu não sei se há uma “cultura” (que é uma palavra muito importante) alternativa, pelo menos não nenhuma que me interesse direito agora.

Trecho:
“Na reunião de editores, argumentei que, com o novo milênio, outras revistas estariam fazendo suas listas de personalidades pro século XXI. Então por que a High Times não lançava um olhar realista sobre o futuro e escrevia sobre os moleques? Se você quer um retrato detalhado da próxima geração, tem que observar a maioria, ou seja, aqueles que no futuro vão cancelar o teu plano de saúde ou te recusar um empréstimo bancário. Se existe uma coisa que os anos 60 deveriam ter nos ensinado é que, enquanto os porta-vozes duma geração estão ocupados em sair bem na foto, as formigas fazem a história.

O feriadão de primavera é como o Muro das Lamentações das formigas. É uma viagem que os estudantes fazem pra provar um último gosto de liberdade antes de virarem a graxa que lubrifica a grande máquina americana que vai atropelando as vidas das outras pessoas. Parecia uma boa idéia, pelo menos até a aterrissagem do avião e o nosso embarque no ônibus de turismo da School Spirit Inc. que nos levaria até o hotel.”

De “Gringo Que Nem Eu: Feriadão de Primavera em Cancun”

“Paraíso na Fumaça – Viagens de um jornalista da High Times”
Chris Simunek, Editora Conrad, 194 páginas, R$ 33,00.

Publicada originalmente no jornal Semana 3 (ed. 3, julho de 2002)

Deixe um comentário